quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Criatividade e demanda dos cartazes

As manifestações de junho deflagraram a profunda insatisfação do povo brasileiro com os rumos do país. As inúmeras demandas sociais, aliadas a falta de resposta política por parte das instituições são a causa dessa indignação.

Queremos escolas padrão FIFA
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Os protestos de rua são caracterizados pelos cartazes que traduzem os desejos dos manifestantes. Nesse cartaz, lê-se "queremos educação padrão fifa". A mensagem faz alusão aos vultosos investimentos do Governo brasileiro nas obras da Copa do Mundo de 2014, enquanto a educação pública está abandonada. Os protestos durante a Copa das Confederações, já em julho, e ainda sob a inspiração de junho, demonstrou que o futebol deixou de ser a prioridade para boa parte da população.

Eu sei o que vocês disseram na semana passada
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O cartaz remete ao título do filme de terror " Eu sei o que vocês fizeram no verão passado". A mensagem destina-se as emissoras de televisão (no cartaz, há o logo da rede Globo, e uma imagem do comentarista da emissora Arnaldo Jabor) em especial a rede Globo e critica a repentina e oportunista mudança e consequente apoio às manifestações. Jabor havia feito um comentário no Jornal da Globo do dia 13 de junho, após o segundo ato, em que chamava os protestantes de "revoltosos de classe média que não valem nem 20 centavos" e os compara as ações daquele dia a faccção criminosa PCC ( Primeiro Comando da Capital), que, em 2006, incendiou diversos ônibus e criou uma crise urbana de segurança pública. curiosamente, na semana seguinte, Jabor se desdiz na rádio CBN e fala que "fez um erro de avaliação".

Que legal, o país parou, e nem é carnaval!
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 Esse cartaz é sintomático. Faz uma analogia com as enormes festas culturais que param o país por determinado tempo - no caso o carnaval - e enuncia sua satisfação por um evento político ter parado o país. Traz em si o sentimento do povo brasileiro, de indignação com a letargia que caracteriza as pessoas o ano todo.

Professor te desejo o salário de um deputado e o prestígio de um jogador de futebol
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O descaso com a educação pública foi uma pauta recorrente em junho. Os salários indecentes recebidos pelos profissionais da educação é tema desse cartaz, que faz também uma critica a cultura do brasileiro de prestigiar os jogadores de futebol, em detrimento dos professores, profissionais imprescindíveis no desenvolvimento da nação e responsáveis pela educação das crianças. A desvalorização da remuneração deles é comparada aos exorbitantes salários dos parlamentares, cerca de 10 vezes maiores.

Saímos do Facebook
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 O papel primordial das redes sociais em junho é inquestionável. A convocação dos protestos, principalmente nos dois primeiros atos, foi feita prioritariamente pelas redes. Além de ser o canal de veiculação da trajetória das passeatas, em função da provável repressão antecipada se divulgadas antes. Das milhares de pessoas que participaram das manifestações, muitas elas nunca haviam comparecido a nenhum protesto de rua. O ativismo digital é característica de nossa época. No entanto, as mobilizações de rua são o que provocam as transformações
“esses mesmos que condenam os jovens que foram às ruas vivem bradando que a população não pode assistir impune à corrupção e demais problemas dos governos. (...)O que te parece mais eficiente? Lotar a caixa de e-mail de um assessor de quinto escalão ou fechar uma avenida num horário de pico? E desde quando grupo ou evento de Facebook muda alguma coisa? Aliás, o tal abaixo-assinado com sei lá quantas mil assinaturas contra o Renan Calheiros na presidência do Senado deu no quê mesmo? Redes sociais como o Facebook são excelentes para a troca de informação, para conectar pessoas que pensam de forma semelhante, para ajudar na organização. Mas, se a grita não sair da internet e for pra rua, de nada adianta. Nadinha.”
Sair do facebook significa um avanço na consciência dos manifestantes de que a pressão deve ser feita cara-a-cara.


Balas de borracha não apagam a verdade
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A repressão policial pode ser considerado como um fator que potencializou a repercussão tanto nacional quanto internacional das jornadas de junho. As chamadas armas não letais foram utilizadas em larga escala durante os 3 primeiros atos. O cartas faz alusão às balas de borracha utilizada pela Polícia militar para intimidar os manifestantes, e evidenciar que a sua utilização não diminui a verdade dos fatos, de que as demandas são de fato necessárias.

Se é perigoso ficar sem cinto no carro, porque temos que andar de pé no ônibus?http://1.bp.blogspot.com/-9U5vLLTddHI/UcR9aE59nzI/AAAAAAAAPfw/mUmxmpVJAa4/s1600/cartazes-manifestacoes11.JPG

TEsse cartaz traz um questionamento imprescindível para entender junho. O caos do transporte público é muito associado aos incentivos que o poder público concede aos automóveis, utilizados individualmente. Traz à tona toda a contradição do discurso dos governantes, da falácia da segurança que traz a utilização do cinto de segurança, enquanto milhares de pessoas são obrigadas diariamente a ficar de pé em ônibus lotados, correndo risco de acidente.

Inspiração internacional

As manifestações de junho de 2013 no Brasil também devem ser entendidas em relação ao contexto internacional, de crise econômica e reações de setores da sociedade contra a retirada de direitos conquistados.
Nesse início de século XXI, muitos movimentos de orientação anticapitalsita pipocaram nas mais variadas partes do mundo. Somente no ano de 2011, diversos levantes ocorreram, desde o centro econômico do capitalismo mundial, os EUA, com o movimento Occupy Wall Street, passando pelo conservador mundo árabe, com a Primavera Árabe, até a Europa civilizada, com os indignados espanhóis e os gregos protestando contra os efeitos da crise.

No ano de 2013, um dos principais movimentos de contestação da globalização que surgiu foi na Turquia. A exemplo do Brasil, um motivo que, a primeira vista pareceria pequeno, foi o estopim para grandes mobilizações populares reivindicando mudanças estruturais. O palco foi a Praça Taskim, centro de reunião e acampamento da juventude, e objeto de desejo dos especuladores imobiliários. A praça estava sendo ameaçada de destruição para que se construísse um Shopping Center no local. Os protestos começaram com poucas pessoas mobilizadas pelas árvores. No entanto, a intransigência do poder público, em decisão parecida com a do governador e  do prefeito de São Paulo aqui no Brasil, fez com que outras demandas surgissem e o movimento cresceu em proporções gigantescas.

O fio-condutor anticapitalista é evidente em todas essas manifestações de descontentamento. O jargão dos jovens norte-americanos "somos 99% contra 1%" expressa a debilidade do sistema econômico em atender todas as demandas sociais, em oposição a enorme concentração de renda.
"Em tempos de crise, os candidatos óbvios a apertarem os cintos são as camadas mais baixas dos assalariados(...) Embora esses protestos sejam nominalmente dirigidos contra a lógica brutal do mercado, eles protestam contra a corrosão gradual dessa posição econômica". (zizek. o ano em que...pag 21 e 22)

Por isso, essa camada se organiza para que seus direitos não sejam ceifados pelos planos de austeridade dos técnicos dos Bancos Centrais, além de conquistar novos direitos, no caso brasileiro, a redução das tarifas do transporte público e, em seguida, seja posta em questão a possibilidade do passe-livre.

Todos esses movimentos, do Brasil a Turquia, do Egito a Grécia, revelam a ausência de mecanismos de participação efetiva da democracia e concretização de um projeto que satisfaça o anseio das pessoas. A voz dos jovens e dos trabalhadores não foram escutados pela classe política. E esses pagaram um preço alto. O primeiro ministro da Espanha caiu logo que o movimento avançou nas reivindicações. No Egito, a ditadura de décadas de Hosni Mubarak capitulou antes as mobilizações, e a situação, quase dois anos depois, ainda não se estabilizou. Na Itália, um governo de coalizão foi composto por técnicos como uma resposta para a falta de representatividade política. Na Grécia também permanece com uma situação política indefinida, com a crise avançando e causando desemprego e indignação.

Aqui no Brasil, as eleições de 2014 demonstrarão quem foi mais atingido pelos protestos. Nas pesquisas de opinião de junho, a popularidade na Presidenta, que meses antes rondava os 70%, caiu para cerca de 30%. A mesma coisa ocorre com governadores e prefeitos.

O processo gera sentido

" a necessidade histórica não re-existe ao processo contingente de sua efetivação, isto é, que o processo histórico é, em si, "aberto", indeterminado - essa mistura confusa gera sentido na media em que se revela"(zizek, menos que nada pag 59)

É óbvio que o estopim de junho foi o aumento das tarifas do transporte público. No entanto, novas demandas foram surgindo. Tantas, que parcela da mídia e do poder político disse que as pautas eram tantas que caíam no vazio.

Todas essas pautas estavam adormecidas na consciência da população, apenas aguardando uma oportunidade de exteriorizá-las. Pode-se dizer que o processo gerou o sentido. As pessoas perceberam que não eram os 20 centavos que atrapalhavam suas vidas. A falta de educação, saúde e a enorme corrupção que geravam a situação. Com o desenvolvimento dos acontecimentos, novas significações se fizeram presentes, transformando os centavos iniciais em inúmeras demanda sociais.
O movimento passe-livre pautou desde o início que as manifestações tinham como objetivo a redução para R$ 3 das tarifas. Entretanto, a necessidade histórica de reverter um quadro de letargia social e promover uma ruptura com a antiga insatisfação de sofá era determinante.

Mídia Ninja: uma nova experiência jornalística

No bojo das jornadas de junho, surgiu, como contraposição do modo consolidado de fazer jornalismo, uma experiência que, por suas práticas e propostas inovadoras, merece destaque nessa análise.
Essa experiência é a Mídia Narrativa Independente de Jornalismo e Ação (Ninja). A mídia ninja existe desde 2011, e foi criada dentro da estrutura da Casa Fora do Eixo, uma rede de colaboração social entre seus participantes, com o objetivo de cobrir eventos culturais com pouco espaço na grande mídia. As jornadas de junho foram a oportunidade de expandir esse formato, constituindo-se como uma ferramenta dos ativistas de contrapor o discurso construído pela mídia.
A prática dos Ninjas é muito simples. Cada ativista provido de um smartphone, um laptop, duas câmera, geradores, microfones  e uma rede de conectividade transmite ao vivo os protestos, sem possibilidade de edição jornalística e seleção dos fatos desejados. A cobertura é direcionada conforme os acontecimentos, sem pauta determinada.
A produção Ninja parte do princípio que” ativismo e comunicação são inseparáveis”. Como  comenta um dos Ninjas, Rafael Vilela, que cobriu as manifestações em entrevista à Revista Piauí  “entramos em lugares que a mídia convencional não vai. Damos voz direta aos personagens, sem intermediários”.
Essa característica, “sem intermediários”, talvez seja o que de fato, traça a personalidade singular da cobertura Ninja. Sem a possibilidade de manipular um fato, a produção jornalística se aproxima da realidade. Em muitos casos de junho, a Mídia Ninja, muito por causa dessa característica, foi utilizada como forma de denúncia da truculência policial. A prisão de muitos protestantes foi capturada pela câmera e transmitida em tempo real via stream. Dessa forma, a tuação desse meio de comunicação possibilitou também a ação de outros agentes, como advogados que imediatamente se dirigiam às delegacias para soltar as pessoas.

Crise de representação política

Após a redemocratização do Brasil, com a eleição de Tancredo Neves e a posse de Sarney como primeiro presidente após a ditadura militar, seis presidentes dirigiram o Brasil. Em todos os governos, em maior ou em menor grau, muito ou pouco explorado pela mídia, houve escândalos de corrupção. Além do poder executivo, O Congresso Nacional e as Casas Legislativas dos estados estão desacreditadas pelo povo brasileiro. Desde compra de votos no Congresso, seja pra comprar re-eleição, seja para pagar mensalão, até a perpetuação de figuras arcaicas como símbolos do poder representativo, esvaem qualquer possibilidade de interesse da população pela vida política no país.

Um dos tópicos mais comentados quando se analisam os acontecimentos de junho é a crise de representatividade política. O rechaço aos partidos políticos nos atos dos dias 16, 19 e 22 de junho significa que o monopólio de representação, que antes estava nas mãos dos partidos institucionais, se dissolveu. Novos atores sociais emergiram, evidenciando uma insatisfação e um descrédito com essas instituições.

Os constantes escândalos de corrupção, envolvendo tanto partidos tradicionais, como o PSDB, como partidos com base popular, como o PT, fez com que a população e, principalmente a juventude, desacreditasse da classe política e das instituições que compõem o Estado de Direito. A ineficiência desses órgãos ao longo dos anos transbordou aos olhos dos jovens.

Um exemplo desse descrédito foi a tentativa de manifestantes de ocuparem o Congresso Nacional no protesto do dia 17 de junho. Alguns mascarados quebraram a fachada do símbolo do poder político brasileiro.
 Na esteira de junho, diversas Casas Legislativas foram ocupadas por manifestantes em diversos estados e municípios do Brasil.

A crise

 A crise de representatividade expressa uma crise social, pois os jovens não rejeitam apenas a forma política, representada pelos partidos políticos tradicionais, as instituições estabelecidas após a redemocratização, o poder judiciário, mas a política em si, o engajamento com causas sociais, a relação com a comunidade e suas implicâncias, o que a afasta das instâncias de poder.
 
Isso decorre do último período político de polarização entre duas forças (PT e PSDB) que, quando chegaram ao poder central, efetivaram o mesmo programa, com destaque para o descaso com os serviços públicos (educação, saúde, tranporte), inúmeras privatizações (tanto no Governo FHC, com a telefonia, a Vale do rio Doce, quanto no de Dilma, com as rodoviárias, os portos, o petróleo), e um fisiologismo, característico da governabilidade instaurada pelo PSDB e seguida pelo PT.
 
Segundo Guilherme Cavalcanti e Tieni Meninato ( o desinteresse do jovem pela políticatudo, a juventude, principal ator social das manifestações de junho, se desisteressa da política por muitos motivos, um deles é que,
 
"Existe a massificação da idéia de que os valores de alguém são expostos através do que ela pode ter e não mais de quem ela é. Ter é ser. Os grupos e tipos de pessoas são identificados pelo tipo de roupa que usam, pelos lugares que freqüentam, etc, todos aspectos dependentes do que a pessoa pode pagar. Não se associam mais por uma ideologia, até porque a ideologia atual está sempre vinculada a ser um individuo produtivo: este é o aspecto que liga aqueles que participam da sociedade". (pag 4)
A ideologia será tratada em diversas partes deste trabalho, mas aqui tem um papel fundamentam para compreender o desengajamento vigente. A ideologia dominante transforma as vontades das pessas. De fato, a ideologia hegemônica nem possibilita que a subjetividade se efetive, em função da construção de discursos pelas diversos aparelhos ideológicos (principalmente escola e mídia) que condicionam o modo como cada indivíduo se constitui. Os valores que essa juventude pós ditadura recebeu são caracterizados pelo individualismo resultantes da ausência de políticas públicas que proporcionassem uma participação dele com a comunidade. A juventude é destituída tanto de atividades culturais pela escola, como de uma pluralidades de realidades pela mídia. A industria cultural instiga todos a consumir. Mas não os possibilita acesso irrestrito a essa possibilidade.

MPL: a fagulha

O Movimento Passe-livre (MPL) é uma  confederação de diversos coletivos que se organizam para reivindicar a redução a zero das tarifas do transporte público.
O movimento assume-se de orientação anarquista, com organização autônoma e horizontal das partes constituintes. Cada região possui uma estrutura própria, sem estar submetida a uma hierarquia orgânica, mas seguindo os princípios ideológicos do movimento. "O MPL se constitui através de um pacto federativo, isto é, uma aliança em que as partes obrigam-se recíproca e igualmente e na qual os movimentos nas cidades mantêm a sua autonomia diante do movimento em nível federal, ou seja, um pacto no qual é respeitada a autonomia local de organização."

 Ele foi criado em 2005 e, em sua carta de princípios, se define como "um movimento horizontal, autônomo, independente e apartidário, mas não antipartidário". Essa última característica é imprescindível para entender o que foram as manifestações de junho e algumas possíveis razões para a amplitude que as mobilizações tomaram ato após ato.
O MPL, em todas suas aparições em entrevistas nos veículos de imprensa, friza ser um movimento apartidário, mas não apartidário. Tanto que, nos primeiros atos realizados nos dias de junho, a participação de partidos políticos (PSOL, PSTU, PCO e frações do PT), inclusive com suas bandeiras, era aceita e, mais que isso, imprescindível, para a composição das mobilizações.
A posterior contestação dessas instituições será abordada nos tópicos seguintes. No que tange ao MPL, a participação dos partidos é entendida como positiva.
A diferenciação que deve ser feita entre o MPL e os partidos constituídos é programática. Como eles afirmam em sua carta de princípios "a via parlamentar não deve ser o sustentáculo do MPL, ao contrário, a força deve vir das ruas". O movimento prioriza as formações de base, em detrimento da institucionalidade a que estão ligados os partidos.
A perspectiva do MPL se insere como um " instrumento inicial de debate sobre a transformação da atual concepção de transporte coletivo urbano, rechaçando a concepção mercadológica de transporte e abrindo a luta por um transporte público, gratuito e de qualidade, como direito para o conjunto da sociedade; por um transporte coletivo fora da iniciativa privada, sob controle público (dos trabalhadores e usuários)." O argumento utilizado pelos manifestantes de junho, em de que a restrição ao direito de ir e vir é infringido pela concepção mercadológica que é aplicada pelo poder público, em contraposição ao discurso midiático de que as manifestações atrapalham o trânsito e causam situações de vandalismo.
Em entrevista concedida dia 14 de junho pelos integrantes Lucas e Mia, do MPL, eles evidenciam a força dos fatos, dizendo que um transporte privatizado, com concessões contestadas, para empresas privadas, e uma liberdade de aumentar as tarifas, é o que de fato, restringe o direitos dos cidadãos. Um transporte que custe R$3 a passagem, por mês, para um trabalhador que utiliza apenas uma vez por dia(há trabalhadores que pegam uma, duas, três conduções por dia) custa cerca de R$ 120 por mês. Com um salário mínimo de R$ 710, cerca de 15% do salário do trabalhador vai apenas para o transporte, de péssima qualidade.

POSSÍVEIS CAUSAS DE JUNHO

E muito difícil empreender uma tentativa de identificar todas as causas que levaram milhares de pessoas a "acordarem". De início, a pauta dos transportes foi o ponto inicial dos manifestantes. Um aspecto imprescindível para entender o que foi junho é identificar quem eram os manifestantes dos primeiros atos. Eram ativistas já acordados há muito tempo, com experiência política. O canto "não são só 20 centavos", muito ecoado no decorrer dos protestos, pode ser evocado para qualquer manifestação política, antes ou depois de junho. Nunca se sai as ruas só por um motivo, seja a redução das passagens de ônibus, seja a cura gay, seja as marchas das vadias. O acúmulo político dos manifestantes  e a compreensão de que transformações profundas são necessárias são o que os leva as ruas, e os primeiros protestos de junho foram expressão desse acúmulo.

Por isso, a pauta dos transportes foi apenas uma fagulha. A insatisfacao da população vem de muito tempo. Remonta os últimos 20 anos de melhorias sociais. A implantação do Plano Real conteu a hiperinflação. O Bolsa família reduziu drasticamente o numero de miseráveis. A politica econômica do governo Lula garantiu uma taxa mínima de desemprego, o que possibilitou o credito fácil e o crescimneto do consumo. Todas essas conquistas não foram acompanhadas, no entanto, de um aprofundamento de mudanças estruturais. A educação continua abandonada. A saúde pública continua um serviço de péssima qualidade. E os transportes idem. Essa exclusão de direitos sociais geraram uma indignação há muito contida na garganta da população. A eleição de um governo popular não alterou a relação de forças econômicas.

A vida dos pobres tem melhorado, mas não o seu lugar na estrutura; são pobres, comem melhor, vestem-se melhor, mas o seu lugar estrutural continua sendo a precariedade, que hoje se manifesta no transporte, dentre outras coisas.( Brasil de Fato, entrevista com Raúl Zibechi). 

Nesse cenário de insatisfação, o aumento da tarifa foi o estopim para a população.